domingo, 10 de maio de 2009

Morto e enterrado

Por Marcelo Aceti

Título do filme! apenas o título, nada mais; sem qualquer outro contato com a obra, e uma voz de esperança e clamor tomou-me a mente de imediato. Pareceu-me - por que não dizer? - religioso: o clamor de miseráveis que, em uma terra de sofrimento e penúria, aguardam a epifania de seu Salvador. 

"NÓS QUE AQUI ESTAMOS POR VÓS ESPERAMOS"

Com esta impressão inicial, fui ao filme.

Eistein, Gagarin e Dr. Freud; Picasso, Nijinski, Chanel; Elvis Presley, Fred Astaire, Josephine Baker; Mané Garrincha... Kafka e Maiakovski. Estes nomes me saltaram diante dos olhos ao assistir pela segunda vez à "Memória do Breve Século XX". Sim, esta foi minha segunda impressão, depois de as chocantes imagens de guerra deixarem de ser tão agressivas quanto da primeira vez em que as vi - sei que esta reação em mim é também fruto do século XX, que banalizou os terrores a ponto de normalizar o absurdo. Fiquei chocado diante de mim ao notar que as impresões deixadas pelo primeiro contato com o filme traziam uma nova significação do título e rompiam com o preconceito que eu criara: Mao, Adolf, Joseph, Kamikase, Vietnã, Enola Gay, inferno... Tudo isso, composto com as tomadas no cemitério, deixa bem claro que o século XX, enterrado em suas desgraças, debocha dos que seguem crendo que algo possa ser diferente do que ele testemunhou.

À aceitação da fatal derrota, prefiro a dúvida; a insegura e instigante dúvida. A incerteza criativa do porvir, que me faz pensar o passado e acreditar no aprendizado e na sabedoria do mundo, feita de gerações e gerações de erros, de sucessões de tentativas; um longo caminho galgado a grandes passos; passos, por vezes, um tanto maiores do que nossas humanas pernas seriam capazes de dar. É a ilusão tola do poder das armas, da vã tentativa de mostrar-se grande diminuindo o que o cerca, calando as vozes sensatas dos livros em fogueiras de ignorância, usando de ignomínia para impor valores de honra. O homem de sunga desperta, além de algumas risadas, uma séria reflexão sobre a seqüência "paranóia" me fazendo entender que não há como delinear maiores distinções entre os intentos deste e dos que o precederam. Todos vítimas de seus valores; vítimas e carrascos.

Findo o século, aceitando que somos carrascos e vítimas de nossos valores, penso que devemos revê-los para darmos passos melhores, ainda que menores. Porém, tendo como panorama o que restou deste século morto, passos menores parecem ser muito mais firmes, e, ainda assim, nada impede que sejam muito mais ousados, pois a força que os impele traz consigo a experiência do tempo vivido, a sabedoria do mundo passado. Aprendamos enquanto estivermos vivos, pois é com nossa morte que ensinaremos.

Após assistir ao filme - algumas vezes - e refletir sobre sua composição, penso que cada século é a semente do tempo seguinte. E não há melhor destino para uma semente que estar morta e enterrada...

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.